segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

CONSUMIDOR À DERIVA – TARIFA DE CADASTRO E SEGURO PROTEÇÃO FINANCEIRA


            Por Kamila Michiko Teischmann

Em vários momentos os questionamentos acerca da “superproteção” dada ao consumidor pelo Código de Defesa do Consumidor podem parecer compreensíveis, contudo, como sempre, o legislador não sem motivo preponderou para o lado hipossuficiente da relação, que é nitidamente o consumidor, e não é crível que se aponte o contrário.
Outro dia me dirigi à determinada concessionária de veículos para questionar uma taxa de cadastro e outra de seguro de proteção financeira, que vieram descritos em nota fiscal, após a compra do veículo.
Inicialmente, vamos analisar a Taxa de Cadastro (TC) ou Taxa de Aberta de Crédito (TAC).

Em novembro de 2010 o BACEN regulou a cobrança de tarifas bancárias através da Res. nº 3.919, que entrou em vigor em março de 2011. No seu art. 3º está prevista a cobrança de tarifa de cadastro (TC) nas situações em que estejam presentes, entre outros fatos geradores, a realização de pesquisa em serviços de proteção de crédito, base de dados e informações cadastrais necessários ao início do relacionamento decorrentes, entre outros, da contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, como é o caso do financiamento de veículos, sendo proibida a cobrança cumulativa.[1]

Podemos concluir, de pronto, que, dentre outros custos, a TC serve, precipuamente, para analisar a vida financeira do consumidor, se este preenche o mínimo de credibilidade para financiar seu veículo.
Ora, tal prática é um ônus da empresa a fim de se resguardar, pois, caso quisesse de fato apenas repassar esses custos, solicitaria uma lista de documentos a serem apresentados pelo consumidor, como fazem outros órgãos. E ainda que se pugnasse pela legalidade dessa taxa (o que julgo ser uma irresponsabilidade), a segurança financeira que procura o concedente de crédito não pode ser repassa ao consumidor de forma obscura, haja vista que não é de todo transparente tal repasse, onde não são estipulados que tipo de serviços foram de fato realizados e, ademais, a consulta aos cadastros de proteção ao crédito, por vezes, não trazem ônus individuais já que pagam mensalidades para que possam pesquisar a situação de seus possíveis clientes.
Nesse passo, pode-se, tranquilamente, afirmar que no caso da cobrança da TC não há contraprestação alguma, ferindo os preceitos fundamentais de uma relação de consumo, onde só se deve pagar por algum produto ou serviço efetivamente prestado ao consumidor e, no caso em tela, o serviço está sendo prestado unicamente à financiadora.

A cobrança de toda e qualquer tarifa pressupõe a contraprestação de um serviço, o que não ocorre neste caso, já que não existe um serviço prestado ao consumidor, mas, sim, um serviço prestado à própria instituição financeira e em seu interesse único.[2]

Esclarece ainda a Ilustre Presidente do PROCONBRASIL, Gisela Simona:

O posicionamento público dos Procons quanto à ilegalidade dessa tarifa de cadastro é de extrema importância, visto que muitos consumidores estão pagando esses valores, em especial, nos contratos de financiamento de veículos. Os Juizados Especiais de todo País concordam com nosso posicionamento, pois a legislação que visa a proteção do consumidor prevalece sobre normas internas do Banco Central.[3]

Pois bem. Superada a breve análise acerca da TC, passamos a analisar o Seguro de Proteção Financeira – SPF, na prática.
Apesar de o SPF ser facultativo, o que se verifica é que na verdade se trata de venda casada, isso porque as financiadoras condicionam o oferecimento de taxas “convenientes” de juros à aderência desse seguro, que denominam como um “benefício”. Assim, só garantem taxa de juros a menor se o consumidor aderir ao SPF.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Não se pode camuflar tal prática com outra denominação que não seja a venda casada, pois, além de ilegal, seria desleal com o consumidor e um verdadeiro “faz de conta”, tornando obscura a real intenção do comerciante.
O termo venda casada quer em sua essência vedar o consumo/aderência forçada a um produto ou serviço, e o caso em tela impinge o consumidor a aderir tais práticas.

O QUE DIZ A LEI: A Venda Casada é expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC (art. 39, I), constituindo inclusive crime contra as relações de consumo (art. 5º, II, da Lei n.º 8.137/90).
A Lei 8.137 / 90, artigo 5º, II, III tipificou essa prática como crime, com penas de detenção aos infratores que variam de 2 a 5 anos ou multa.
E a Lei 8.884 / 94, artigo 21º, XXIII, define a venda casada como infração de ordem econômica. A prática de venda casada configura-se sempre que alguém condicionar, subordinar ou sujeitar a venda de um bem ou utilização de um serviço à aquisição de outro bem ou ao uso de determinado serviço.
Pelo Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8078 / 90, artigo 39º, “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.
E pela Resolução do Banco Central nº 2878/01 (alterada pela nº 2892/01), Artº 17, “é vedada a contratação de quaisquer operações condicionadas ou vinculadas à realização de outras operações ou à aquisição de outros bens e serviços”.[4]

  Assim, resta claro a proteção dada por toda a legislação pátria, inclusive, prevendo pena de prisão aos que insistem na prática da venda casada.
Isso sem contar que, caso o consumidor reaja ingressando com ações judiciais, acaba ficando com “restrições” no sistema de informações das empresas e, por essa razão, as operações que forem necessárias, futuramente, são propositalmente dificultadas, quando não, impossíveis de se realizar.
Já que tais práticas são tão evidentes quanto à lesão ao consumidor, por que subsistem? Certamente o quantum despendido com indenizações judiciais é ínfimo perto da lucratividade, ou seja, compensa prosseguir com uma gestão irresponsável e desleal, cerceando o direito de escolha do consumidor que se vê sem saída, à deriva.
Contudo, verdade seja dita, a falta de fiscalização efetiva também contribui com as condutas ilegais, não por vontade dos entes incumbidos de fiscalização, mas pela ausência de investimento de pessoal suficiente para tanto, o que pode ser proposital, já que é interessante para toda a máquina estatal e empresária a lucratividade, haja vista a incidência de impostos e outros benefícios indiretos.
Por fim, a mensagem que fica é de que o hoje consumidor, quando amanhã comerciante, possa recordar seus lastimáveis momentos de opressão e frear os abusos praticados e, claro, que os órgãos competentes possam desencadear operações e agir com afinco para inibir a ocorrência dessas e outras práticas ilegais.



[1] SANTOS, Cristiana. A cobrança da Tarifa de Cadastro nos financiamentos de veículos é legal? Disponível em: http://www.politicalivre.com.br/artigos/cobranca-da-tarifa-de-cadastro-nos-financiamentos-de-veiculos-e-legal/, acessado em 17/12/2012.
[2] SIMONA, Gisela. Taxa de Cadastro. Disponível em: http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=3050 , acessado em 17/12/2012.
[3] Ibdem.
[4] SANTA CATARINA, Procon. Venda Casada. Disponível em: http://www.procon.sc.gov.br/index.php/orientacoes-ao-consumidor/290-venda-casada, acessado em 18/12/2012.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pagamento feito com cartão de crédito é considerado "à vista"


Por Kamila Michiko Teischmann

Embora o Código de Defesa do Consumidor já esteja em vigor há quase 23 anos, as relações de consumo ainda se mostram demasiadamente distorcidas e propensas a beneficiar a parte hipersuficiente da relação, ou seja, o comerciante.

Quando é afixado o valor de algum produto exposto à venda, por óbvio, o comerciante impinge todos os dispêndios e ônus que suportou nesse valor, chegando a um numerário que lhe seja possível auferir lucro, não importando se foi muito ou pouco, haja vista que esses conceitos são absolutamente subjetivos. O fato é que o lucro é certo.

Desse modo, acompanhando os avanços tecnológicos, notadamente quanto à utilização do Cartão de Crédito, que não traz apenas benefícios ao consumidor, mas também ao comerciante, sendo o maior deles a segurança na venda efetuada, ou seja, o risco de “calote” é ínfimo, sendo possível afirmar, inclusive, que pode ser mais segura a compra via Cartão de Crédito que em dinheiro, tendo em vista a possibilidade de falsificação de moeda, muito embora esteja cada vez mais difícil de se realizar.

Portanto, são incontestáveis os benefícios trazidos também aos comerciantes com a utilização do Cartão de Crédito e, assim como o consumidor que paga anuidade para poder usufruir desse instrumento, o comerciante paga taxas para a utilização da máquina. Logo, ambas as partes arcam com o ônus dessa utilização.

Apesar do exposto, é contumaz a ocorrência de valores diferenciados nas vendas em dinheiro, cheque, cartão de crédito e débito. Aqui, será tratado acerca dos valores diferenciados cobrados quando o consumidor opta pela compra com cartão de crédito.

Alguns descontos são concedidos ao consumidor quando prefere pagar à vista, o que é legal. Contudo, “à vista” seria tão somente os valores pagos em cheque (à vista), dinheiro e cartão de débito? A resposta é negativa, devendo ser incluído nesse rol o pagamento com cartão de crédito, desde que não se trate de compra parcelada.

Isso porque, embora possa trazer a falsa impressão em razão de o dinheiro não ser debitado imediatamente da conta do consumidor de que se trata de compra a prazo, é pacífico o entendimento na jurisprudência quanto a impossibilidade de diferenciação dos preços nas vendas feitas por meio de cartão de crédito, considerando tal meio como pagamento à vista. Nesse passo, vejamos decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Está-se, portanto, diante de uma forma de pagamento à vista e, ainda pro soluto (que enseja a imediata extinção da obrigação). O custo pela disponibilização dessa forma de pagamento é inerente à própria atividade econômica desenvolvida pelo empresário e destinada à obtenção de lucro, em nada se referindo ao preço de venda do produto final. Imputar mais esse custo ao consumidor equivaleria a atribuir a ele a divisão de gastos advindo do próprio risco do negócio (de responsabilidade exclusiva do empresário), o que, além de refugir da razoabilidade, destoa dos ditames legais, em especial, do sistema protecionista do consumidor” [1].

Os próprios PROCONs do país vêm buscando esclarecer à população e coibir o comerciante de realizar tal diferenciação. Vejamos:

Segundo o secretário municipal de Defesa do Consumidor, Procon Fortaleza, João Ricardo Vieira, os valores cobrados pelos lojistas devem ser os mesmos para pagamentos em dinheiro ou pelo cartão de crédito. “O valor que o cartão cobra do comerciante já deve estar diluído no preço geral da loja. Ele já deve colocar isso como custo dos produtos”, explica o secretário. “Se você cobra um preço diferenciando no cartão de crédito, do que é cobrado à vista, isso é abusividade”, afirma João Ricardo Vieira. Conforme o titular do Procon Fortaleza, a aquisição de um produto ou serviço, utilizando como forma de pagamento os cartões de crédito ou de débito, é considerada como um pagamento à vista. [2]
Encontramos, ainda, na Portaria 118/94 do Ministério da Fazenda clara proibição a essa prática. É importante observar o ano em que foi expedida a referida Portaria, 1994, e, apesar disso, parece que jamais existiu.

Art. 1º Dispensar a obrigatoriedade da expressão de valores em cruzeiro real nas faturas, duplicatas e carnês emitidos por estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços, representativos de suas vendas a prazo, inclusive para serem liquidados com prazo inferior a trinta dias, observado o seguinte:

I - não poderá haver diferença de preços entre transações efetuadas com o uso do cartão de crédito e as que são em cheque ou dinheiro; e,

Corroborando com esse entendimento, por fim, buscamos guarida na Lei Consumerista, que em seu artigo 39, inciso V, nos diz:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Aproveitando o ensejo, é importante destacar que condicionar o pagamento no cartão de crédito a determinados valores também é ilegal, não podendo o comerciante limitar os valores para uso dessa forma de pagamento.

A limitação de valores para compras tanto no cartão de débito como de crédito é outra prática que vem sendo denunciada pelos consumidores. O Código, também no artigo 39, estabelece como prática abusiva, “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço a limites quantivativos”. Nos dois casos, o fornecedor está sujeito a penalidades previstas no CDC, com emissão de infração e multa[3] .

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Pelo breve exposto, podemos, com segurança, afirmar que a venda com cartão de crédito é considerada à vista, e dele podendo o consumidor se valer independente do valor da compra, devendo fazer valer seu direito, exigindo que seja cobrado o valor conforme os preceitos legais.



[1] RONDÔNIA, Ministério Público de. Citação da Terceira Seção do STF. Disponível em: http://www.mp.ro.gov.br/web/guest/pagina-inicial/-/journal_content/56/10102/1467856, acessado em 21/01/2013.
[3] PARANÁ, Procon. Disponível em: http://www.procon.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=299, acessado em 21/01/2013.